quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Limbo

E se ao menos tudo fosse igual a ti. Quando saí esta manhã, ainda dormias. Toquei-te nos lábios ao de leve para não despertares, com a esperançazinha egoísta de te poder roubar só mais uma vez esse olhar e abraço que me quebra todo o gelo que se fez sentir outrora, e perdurá-lo todo o dia. Sem saberes, e como eu sabia que aconteceria, fizeste-o na mesma, e agora não sei como abrir cá dentro a janela à chama na alma que se faz sentir. Quando voltar, quero ver-te ainda acordado e sentir-me em casa. Tenho pressa, que nesta imitação de Inverno pouco a pouco o Sol desanima, perde a força e deixa-se cair. No entretanto do meu regresso a ti, deparei-me com um cortejo de problemas, uma lista de perguntas. A algumas delas, não saberei responder nunca, teremos de deixar passar o tempo. Não sei bem o que digo. «Deixar correr o tempo», como se fôssemos o dono, ou o pudéssemos agarrar, fazê-lo estancar, imortalizar-nos. A ilusão de sermos nós a autorizar-lhe a passagem, quando é ele que nos vai deixando para trás. As nossas conversas duram longas horas, nas quais estão contidas uma vida, tempo dentro do tempo como as bonecas russas. Se me ouvires dizer, a propósito do meu passado, «parece-me que foi ontem», estarei a mentir-te. A verdade é que, desde há algum tempo atrás, já são mais olhos que barriga. A realidade é que vou deixando de existir para mim, mas para quem amo. À medida que venço as primeiras e bonitas rugas, a minha relação com a vida vai-se transformando. A pouco e pouco a noção do inevitável toma forma e consistência, e já se adivinha ao longe o fim da linha. Amadureço a sensatez e elevo cada vez mais o meu trapézio sem rede, pois as loucuras e os voos rasos são as únicas coisas de que nunca nos arrependeremos. Triste é o virar de costas, o último Adeus. Sei que sabes tão bem o que quero dizer. Eu corro ao lado dos dias que passam, na esperança de alcançar algum juízo, a resposta em tempo útil, porque a sabedoria quando chega já não serve para nada. E, no entanto, se já se viveu o que eu vivi, se calhar bastaria olhar para trás. Sem nunca o teres ouvido da minha boca, pois é sempre madrugada para isso, adivinhaste-me as feridas, viste-me por dentro e deste-me o teu silêncio, a palavra dos que sabem escutar. E sereno contigo já na aurora, pois o amanhã é sempre tarde demais. Obrigada por saberes tratar de mim, olhar para mim, pensar quem sou. Chego tarde, mas pouco importa, porque tudo o que trago a ti entrego, e tudo o que vier a ti pertence. Por direito, minha vida. Vida em mim.

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