O problema do amor é precisamente a forma de como te deixa ficar. Ou melhor, a forma como parte. Esquecer é como fazer um luto: requer calma e respeito pelas fases. A tendência natural leva-nos automaticamente a procurar outro, sem limar as pontas, arestas e curar as feridas. Um fim implica um recomeço e, como tal, deve ser pensado segundo a lógica cientifíca: analisar as falhas do modelo e das (in)compatibilidades, obrigar a mente a traduzir erros em legendas e momentos em memórias. Sabes, desde logo, que há coisas a que não podes fugir: vais passar na praia e recordar-te da pessoa; caminhar na cidade e recordar os passos; visitar memória e arrastar sentimentos. Isso ficará para toda a vida, provavelmente, mesmo picando-ponto segunda vez, mesmo que só mesmo que acompanhado.
Andei à chuva na praia. Testei-me nos teus beijos. Deduzi-me nas minhas inseguranças. Analisei-te nos trejeitos e fiz-me crescer. Sem perceber o final, respeito-me pelo amor às recordações. Não sei se vou eclipsar isto de mim ou simplesmente escrever no livro para mostrar aos netos. Explicar-lhes-ei, por certo, para viverem tudo com o seu tempo e não deixarem nada por resolver. Amar é isso: devotar o tempo de partilha. E, de repente, ao sentir que a vida vai mudar em breve, apetece-me compilar os meus textos, ser brilhante estudante e esquecer-me que assassinei dois anos da minha vida por feridas que não merecem. Acho que me perdi do meu valor esquecendo a arrogância inteligente que sempre me caracterizou: hoje sou fio de prumo e palha para arder nas mãos de alguém.
É hora de seguir em frente e não olhar para trás. Reformular planos, arquitectar projectos e redefinir objectivos. Recuperar a razão lógico-teológica que sempre tive, mas fui perdendo; voltar a ler jornais de especialidade para ter a resposta cozinhada, na língua, ao mínimo verbo alheio em forma de dúvida. Pensar que perdi o olhar curioso magoa-me, confesso-vos. É como se deixasse pedaços de mim no chão, mas creio não ter perdido definitivamente. (Nada é definitivo.) Arrumei na gaveta, na sala, como quem coloca um grande amor à espera da segunda oportunidade. A vantagem de estar lá é que sabemos como ir buscar, apesar do eterno receio do jogo com dados viciados.
A minha vida vai mudar.
Eu quero. Os sonhos confirmam. E a leve calma no final destas linhas era a garantia que faltava. (Engano-me eu, pensa o leitor).
Escolher a melhor roupa, o melhor perfume e plantar o melhor sorriso e sair de casa: é isso que vai acontecer a seguir. No futuro, lá longe, vou-me rir disto tudo e contar a história aos netos, porque me vou recordar dela, por jamais ter tido necessidade vital de esquecimento. Ao contrário dos traumas, legendas e caras que me condicionaram o crescimento, quero guardar isto tudo de forma saudável. Duvidar do nosso passado é o pior sinal dos ossos. Esquecer para sobreviver: Não. Guardar para ensinar: Sim. Ou talvez possa acontecer tudo numa lógica de erro e acerto.
O presente não existe, simplesmente por que o futuro é o enésimo de segundo seguinte. É este segundo. Ou o ponto final. (E mais este.) E todos os outros que estão depois destas letras. Talvez na realidade só exista passado e futuro... O presente é um produto para nos dar segurança e acalentar os sonhos. "Sonhar é acreditar". E sonhar é o futuro pelo passado. A seguir à condição de sonhador, perdedor, vencedor devemos adicionar o conceito de amante: de si mesmo. Só quem se ama consegue amar. E é o amor-próprio que deve marcar presença nos próximos sonhos.
"Não importa em quantos pedaços o teu coração foi partido, o mundo não pára para que tu o consertes" (William Shakespeare)
Luís Gonçalves Ferreira