sábado, 30 de julho de 2011

Não entendo

Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.

Clarisse Lispector
[sine data]

terça-feira, 26 de julho de 2011

Trivialidades





Parece-me que a Amy Winehouse conhecia bem a essência masculina...
Meninas, tirem as vossas conclusões :)!

domingo, 17 de julho de 2011

Sonnet XVII

No te amo como si fueras rosa de sal, topacio
o flecha de claveles que propagan el fuego:
te amo como se aman ciertas cosas oscuras,
secretamente, entre la sombra y el alma.
Te amo como la planta que no florece y lleva
dentro de sí, escondida, la luz de aquellas flores,
y gracias a tu amor vive oscuro en mi cuerpo
el apretado aroma que ascendió de la tierra.
Te amo sin saber como, ni cuándo, ni de donde,
te amo directamente sin problemas ni orgullo:
así te amo porque no sé amar de otra manera,
sino así de este modo en que no soy ni eres,
tan cerca que tu mano sobre mi pecho es mía,
tan cerca que se cierran tus ojos con mi sueño.

Pablo Neruda

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Relatividade

Esperas que o telefone toque e ele não mexe. Esperas por um sinal e ele não chega. Esperas por ti e aparentemente não te encontras. E depois habituas-te, calmamente, a viver sem nada disso, porque nada disso importa. E, apesar de viveres em linhas, ainda as podes escolher, principalmente porque podes saltar fora e isso só depende de ti. De vez em vez, por suspiros, tens saudades e sentes melancolia. É normal: logo adormeces e passa; nada disso te importa.

Luís Gonçalves Ferreira

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Memórias em nota de Canto

Roubaram-te a História e fizeram-lhe um filho. Seu nome são Memórias e já é velho do teu passado. A partir daí foram-se aos pares, em cordéis, e nunca mais regressaram para curar feridas. Memórias sobrevivem e bloqueiam os teus pensamentos livres, os (re)confortos úteis e os prazeres fáceis. Não consegues viver livremente, porque existe a linha do contra-peso que te puxa para trás. Por vir ao assunto, pensaram-lhe em chamar-lhe de Peso, tão-só. Era curto de mais e eu sempre amei eufemismos. Pensaram em mim, no templo da escolha do nome, logo após o parto. Não deram como tido em mais nada, porque perdeu-se a escolha quando te entregas sem correntes. Batutas, metáforas e ferros. Barulho. Não se sabe de nada. Memórias gravadas e Peso aos amigos. A seguir somam-se tempos e ventos e tão-somente batalhas. A maior guerra está ganha (ou perdida) e Memórias são a prova disso. "Pessoas não são provas", pensarás tu, nobre plebeu disfarçado de pobre. Pobreza que não sofres, mas ostentas na riqueza dos teus trejeitos, dos valores e dos pensamentos que fizeram deste último o maior tesouro das tuas teorias. Escolhido para pai do Peso, ou de Memórias, foi assim tomado público, feito de todos e dado como desaparecido, sem sequer ter tido direito a uma profecia em quadrado numa qualquer manhã de nevoeiro. Perdeu-se a Glória, o Triunfo e todo e qualquer pleonasmo que iria tornar-te redondo e cansado. Memórias foi Rei. Rei sem trono. Rei sem coroa. Quinto Império, quis-lhe dar Pessoa. Elefante, ofereceu-lhe Saramago. Plebeu, instituí de repente. Não importa, porque são memórias que são passado. Meros traços intelectuais. E isto sou eu: produto de mim e âmago da subtileza de pensar quarenta e cinco graus a norte do Cabo Bojador, para lá da Ilha dos Amores. Não sei onde isso fica no gêpê-ese. Fecho os olhos e confio no mapa da alma, astrolábio da recordação, fundamento bussolar dos tempos: e espero o destilar vermelho das oportunidades... das portas. Portões celestes, rosas rupestres ou sereias despidas pela calma séria dos mares.
Traço. Memórias é o seu nome. E é só isso que nos resta perceber.

Luís Gonçalves Ferreira

sábado, 2 de julho de 2011

A minha alma está embaciada, os meus olhos estão encharcados, a minha cabeça não está onde devia estar e o meu coração, oh o meu coração nunca se sentiu tão desprotegido como agora. Oh Deuses, só vocês sabem o esforço que faço para não deixar escapar estas lágrimas que agora escorregam pela minha cara e pescoço. Não é o momento para demonstrar fragilidades. Medo? Receio? Estão me entranhados até no mais pequeno poro da pele. Amar não é um jogo de interesses. Amar traz felicidade e necessidade extrema de cuidar do nosso amado. As pessoas que realmente amo são poucas. Consigo-as contar pelos dedos. E não quero muito mais, sinceramente. Esta minha protecção de me dar a muita pouca gente tem que ver com o facto da minha extrema entrega. A minha preocupação chega a ser sufocante. Por vezes não consigo sequer sanar necessidades básicas de sobrevivência como respirar. Inspiro, expiro, inspiro, expiro as vezes que forem necessárias e mentalizo-me, todos os dias, que tudo vai correr bem. E vai... Quero-te para mim. Quero-te para nós. Tu és chefe da fila e eu sigo-te de olhos completamente vendados.

Custa-me engolir em seco. Luto para proteger o desprotegido, quando me sinto mais sozinha do que nunca.

Por convenções sociais, tu é que tens a função de estar ao meu lado abraçando-me em qualquer tipo de situação, mas sinto que sabes que eu tento colocar um batalhão de soldados à tua volta para que nada te aconteça. Como eu te quero perto de mim... Como eu gosto de ouvir as tuas gargalhadas. A forma que tu encaras a vida dá-me tanta força de continuar. És tu que me dás a garra que preciso para encarar este circo de feras. Parece, por momentos, que tu és o domador.

Está a ser difícil passar isto. Como está... Não te quero desiludir e acho que me estou a comportar à altura. Tu estás acima de qualquer prioridade. Tu sabes e ficas irritado quando digo que largo o que for preciso para que nunca te sintas desprotegido. És o meu ponto de equilíbrio e orgulha-me tanto saber que sou tua.

A luz do túnel está mesmo ali...e sabemos que isto só foi para demonstrar o quanto somos unidos!

Adoro-te e ponto.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Entre peças e pedaços: o sonho

O problema do amor é precisamente a forma de como te deixa ficar. Ou melhor, a forma como parte. Esquecer é como fazer um luto: requer calma e respeito pelas fases. A tendência natural leva-nos automaticamente a procurar outro, sem limar as pontas, arestas e curar as feridas. Um fim implica um recomeço e, como tal, deve ser pensado segundo a lógica cientifíca: analisar as falhas do modelo e das (in)compatibilidades, obrigar a mente a traduzir erros em legendas e momentos em memórias. Sabes, desde logo, que há coisas a que não podes fugir: vais passar na praia e recordar-te da pessoa; caminhar na cidade e recordar os passos; visitar memória e arrastar sentimentos. Isso ficará para toda a vida, provavelmente, mesmo picando-ponto segunda vez, mesmo que só mesmo que acompanhado.

Andei à chuva na praia. Testei-me nos teus beijos. Deduzi-me nas minhas inseguranças. Analisei-te nos trejeitos e fiz-me crescer. Sem perceber o final, respeito-me pelo amor às recordações. Não sei se vou eclipsar isto de mim ou simplesmente escrever no livro para mostrar aos netos. Explicar-lhes-ei, por certo, para viverem tudo com o seu tempo e não deixarem nada por resolver. Amar é isso: devotar o tempo de partilha. E, de repente, ao sentir que a vida vai mudar em breve, apetece-me compilar os meus textos, ser brilhante estudante e esquecer-me que assassinei dois anos da minha vida por feridas que não merecem. Acho que me perdi do meu valor esquecendo a arrogância inteligente que sempre me caracterizou: hoje sou fio de prumo e palha para arder nas mãos de alguém.

É hora de seguir em frente e não olhar para trás. Reformular planos, arquitectar projectos e redefinir objectivos. Recuperar a razão lógico-teológica que sempre tive, mas fui perdendo; voltar a ler jornais de especialidade para ter a resposta cozinhada, na língua, ao mínimo verbo alheio em forma de dúvida. Pensar que perdi o olhar curioso magoa-me, confesso-vos. É como se deixasse pedaços de mim no chão, mas creio não ter perdido definitivamente. (Nada é definitivo.) Arrumei na gaveta, na sala, como quem coloca um grande amor à espera da segunda oportunidade. A vantagem de estar lá é que sabemos como ir buscar, apesar do eterno receio do jogo com dados viciados.

A minha vida vai mudar. 
Eu quero. Os sonhos confirmam. E a leve calma no final destas linhas era a garantia que faltava. (Engano-me eu, pensa o leitor).

Escolher a melhor roupa, o melhor perfume e plantar o melhor sorriso e sair de casa: é isso que vai acontecer a seguir. No futuro, lá longe, vou-me rir disto tudo e contar a história aos netos, porque me vou recordar dela, por jamais ter tido necessidade vital de esquecimento. Ao contrário dos traumas, legendas e caras que me condicionaram o crescimento, quero guardar isto tudo de forma saudável. Duvidar do nosso passado é o pior sinal dos ossos. Esquecer para sobreviver: Não. Guardar para ensinar: Sim. Ou talvez possa acontecer tudo numa lógica de erro e acerto. 

O presente não existe, simplesmente por que o futuro é o enésimo de segundo seguinte. É este segundo. Ou o ponto final. (E mais este.) E todos os outros que estão depois destas letras. Talvez na realidade só exista passado e futuro... O presente é um produto para nos dar segurança e acalentar os sonhos. "Sonhar é acreditar". E sonhar é o futuro pelo passado. A seguir à condição de sonhador, perdedor, vencedor devemos adicionar o conceito de amante: de si mesmo. Só quem se ama consegue amar. E é o amor-próprio que deve marcar presença nos próximos sonhos.

"Não importa em quantos pedaços o teu coração foi partido, o mundo não pára para que tu o consertes" (William Shakespeare)

Luís Gonçalves Ferreira