Existia uma terra, lá longe, no país dos sonhos. Era um limbo encantado, cheio de magos, rainhas e princesas. Debatiam-se ideias, livremente, em todo o lado: no jardim, no Ágora, no local das lições e das teorias sobre deuses. Um dia acordamos do sonho e apercebemo-nos que era surreal. Queríamos prolongar a felicidade de um sítio tão cheio de espaço para todos e então criamos logo uma legenda. Nasceu o Piquenique das Letras.
domingo, 30 de janeiro de 2011
Acabou de chegar. Perco a vergonha e assumo que o esperava ansiosamente. Aquele espaço transformou-se num arco-íris. Inconscientemente, ambos já tínhamos encontro marcado. Isto relembra-me quando era miúda e esperava a chegada das minhas amigas na praia. Deitada na toalha, ansiava vê-las, tal como o anseio ver sempre que estou por esses lados.
É a excepção a todas as minhas regras. É novidade. Por mais que custe a habituar a novas situações, acho que se poderia tornar numa boa realidade.
É completamente escusado tentar esconder o quão desconfortável me deixa e, ao mesmo tempo, o quão feliz fico por partilhar o mesmo sítio. Esse estado de alta tensão não permite emitir os sinais verdadeiros. Logo, não me tenha, por favor, como uma lunática e, muito menos, como uma miúda parva, fútil, mimada que não sabe o que quer para além daquilo que o papá lhe põe gratuitamente nas mãos.
As palavras escapam-me quando o tento descrever. Não é 8 nem 80, transparece ser um 40 confortável. Gosto do seu estilo. Gosto desse ar inconsciente consciente. Permita-me que lhe diga e, desde já, me desculpo se lhe cheirar a futilidade, mas esses Ray-Ban ficam-lhe a matar. Esse seu cabelo que se já viu pente, aposto que nunca por ele foi tocado, deixa-me ainda mais extasiada, num êxtase jamais sentido.
Ainda somos simples incógnitas prestes a ser descobertas pela equação que algum dia terá que ser solucionada. Tomei a liberdade de o chamar “XY” e a mim “XX”. Tem tudo que ver com os cromossomas.
Demoro a dar importância a alguém e você, sem o conhecer, tendo ainda a denominação de “XY”, tem ocupado o meu dia-a-dia de uma forma ridiculamente patética. Não faz a mais pequena a ideia do que isto representa, porque não me conhece, mas posso-lhe garantir que neste momento poderia se sentir realmente especial. Não lhe garanto, no entanto, a eternidade dessa especialidade, até porque tudo em mim é fugaz. Sem perceber o porquê, talvez por tudo isto ser novidade, estou a tentar controlar este meu desprendimento, esta efemeridade que pauta os meus sentimentos.
Esta busca por si, pelo seu mundo obscuro e completamente desconhecido, está-me a fascinar. Estou a palmilhar um caminho pela primeira vez. Não se assemelha em nada aos trilhos por mim já percorridos. Calcei os meus ténis favoritos, só porque não me importo de explorar por uma quantidade indeterminada de tempo esse caminho. Por mais que o terreno seja íngreme, por mais subidas que tenha, por mais buracos, por mais minas, por mais enlameado, por mais escuro e temido que seja, eu sei que lá no fundo, vou encontrar algo extremamente compatível. Está-me a dar uma imensa adrenalina. Nem um carro a 170, nem uma subida e descida “daquela ponte” a partir dos 120 me deu tanta adrenalina como você me está a dar agora. Sim, eu tenho plena noção de que isto tudo pode ser uma pura construção abstracta da minha mente e que, se calhar, é o mais provável.
Sou demasiado para si ou estarei apenas a ser paranóica?
Deverei receber tratamento médico ou deverei falar mais alto?
Talvez era melhor fechar os meus olhos durante anos e esperar que o sentimento mais forte de todos os sentimentos nascesse de si.
Não me posso culpar por querer corroborar a minha tese com alguns dos seus argumentos mais plausíveis. Se até um relógio avariado está certo duas vezes por dia, quem sabe se eu não tenho sorte e me pergunta as horas numa dessas vezes.
O medo, aquela força que nos inibe, muitas vezes, de ir atrás daquilo que queremos, deveria aparecer no dicionário como antónimo da vontade. Se há vontade e força, por que não nos deixamos levar? Não é a guerra que derrota o amor, mas sim este ambiente fútil em que vivemos que na distância nos rouba a vontade e a inspiração.
Deve saber que um amor existe no limiar do cerne de dois seres que se complementam na necessidade sôfrega de realizarem os seus corpos e espíritos numa fusão nunca completa, num ritual idealizado mas sempre inédito de festival de sensações que elevam mesmo o mais comum dos mortais a um patamar de existência quase divina, num idílio que contrasta fortemente com o perene quotidiano que tudo vulgariza e se apaga a si próprio na corrente insivível da passagem dos dias. Tonalidades desse amor são por todos sentidas e o expoente do mesmo é único para cada um que o vive.
Se tudo isto for um sonho, espero acordar o mais brevemente possível. Eu sei que para muitos sonhar é viver, mas a realidade é bem mais verídica e é essa que temos de saber viver, felizmente ou infelizmente.
Imploro, pois, que me diga se você é real, se isto é real. Elucide-me ou elucida-me. Deixo ao seu/teu critério.
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
domingo, 23 de janeiro de 2011
Bom dia Portugal!
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
Super tia!
Qualquer semelhança ou parecença, no presente vídeo apresentado, com uma das subscritoras deste blog é pura coincidência e enganosa especulação.
No "heart" feelings, right?
segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
domingo, 16 de janeiro de 2011
Pensar por escrito
Não é, por certo, carência, nem tão pouco obstinação, mas penso demais, e como boa conversadora que julgo ser, faço-o em voz alta. Vou esvaziando a mente como posso. Ao menos, aqui, ninguém me interrompe. Hoje em dia, perdemos tão pouco tempo a escutar os outros, não é verdade?
Aborrecida com o percurso normal dos dias, e como dada que sou a escapismos, decidi alterar a realidade. Para ser original, mandei pintar o céu em tons de azul celeste. Azul já ele é, e continuei inconformada. Tentei plantar as árvores ao contrário, e não deram frutos. Fiz por tornar este Mundo melhor, mas ele simplesmente não quis ser mudado. Meu amigo, sabemos os dois que há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, as que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os mesmos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia; e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós próprios.
Desconfia e bem que sou uma mulher de paixões. Não só carnais, nem muito menos, qual fera ferida, afirmo que sejam passageiras e insignificantes. Refiro-me também às singelas coisas desta pequena grande escola que é a vida. Admiro a simplicidade e a inteligência, como sabe. Devoro livros e perco uma imensidão de precioso tempo – se considerarmos tal facto uma perda qualitativa – a arrumá-los paulatinamente, com ordem e zelo, como uma mãe penteia um filho antes do primeiro dia de aulas. É o único espaço no qual prezo ser organizada; o resto, como adivinha, é selvaticamente catastrófico. Habito, de facto, no mundo da Lua. A leveza da ausência de atmosfera e som quando me abstraio em mim é réplica inócua de palco extraterrestre. Tenho uma sede infinita de aprender tudo o que a mísera pedra que calco e me desperte interesse tem para me dizer, o que faz de mim a mais perfeita imperfeição que conheço. Desta feita, sei um bocado de tudo, mas não consigo saber tanto quanto gostaria para me sentir completa e preenchida. Tenho sempre uma inconsolável sensação de estranho vazio. Não acha que o nosso cérebro deveria ser como os computadores, com a possibilidade de se acrescentar ou remover memória, conforme nos aprouver? Concordando com o que os estudiosos da matéria vão apontando, temos um sensato mecanismo no córtex cerebral, incidente na memória e já não na parte do raciocínio lógico-dedutivo-cognitivo, que apaga as consequências dos choques emocionais negativos, as recordações que não são despertadas há uma série de tempo, entre outras memórias mais vilipendiadas. Aqui a minha caixa de Pandora deveria ter vindo com garantia vitalícia, pois não estou satisfeita com o produto. E se eu não quiser esquecer? Não nasci ensinada. Ninguém o nasce. Ou, se o quiser, mas mais tarde reviver o filme para reaprender o esquecido? Não há brilho eterno numa mente sem lembranças, e as memórias que guardo com tanto afinco são o meu mais precioso bem. Lá em cima aceitarão reclamações por escrito? É que prende-se-me a língua com imensa facilidade, por mais que possa não parecer.
Continuemos para bingo. Dizem os antigos que as pessoas inteligentes têm uma fronte espaçosa. O meu avô dizia que tenho a testa de um porta-aviões, facto que o deixava visivelmente orgulhoso. Até me limitava os penteados para me exibir aos amigos como um troféu. Na terceira idade vou competir com os netos que tiver, é genético. Isso, a forma como toco piano e a minha sensibilidade para com os animais eram o ponto fraco dele. Hoje em dia admito somente que aprendo tecnicismos e questões práticas com uma certa facilidade, mas nas questões emocionais sou como um passarinho a quem lhe furaram macabramente os ouvidos. Rodopiam assustados, batendo com as asas até morrer, como borboletas, para nunca mais piar. Tenha a intelectualidade mal dispersa e de bateria comprada nos chineses. Já para não falar na minha limitada memória – considero-a o meu maior obstáculo. Tenho um software demasiado avantgard para o hardware de fabrico. Talvez seja por isso que perdoe com uma facilidade inigualável e tenha um orgulho ridículo e medíocre. Acredito que seja por isso. Apesar de ser uma semente que nasce connosco, a bondade não se cultiva.
Tropeçando uma vez mais nestes meus típicos e conhecidos deambulares, na mitologia e pax romana existia o deus Janus, tipificado por duas cabeças opostas entre si, que simbolizavam a dualidade humana – o bom e o mau que há por aí, o ying e o yang dos Homens. A devoção ensina-nos tudo o que sabemos, e, com ela, aprendemos a aceitar o lado menos humano nos que amamos, e a viver com e para isso. O mais difícil na vida é saber confiar, ter fé e perdoar. As pessoas que mais gostei até hoje foram as que mais me desiludiram, da mesma forma que se diz que o amor está no horizonte do ódio. Há escalas para tudo. Até os sentimentos já estão taxados e preconceituados. Cansativo, não acha? Vai-se a magia toda. Pestinhas com raça, nós os dois.
sábado, 15 de janeiro de 2011
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
COLDPLAY - PORTUGAL
Seis anos depois, os Coldplay voltam a Portugal para um concerto. O palco escolhido foi o do Optimus Alive, festival de música que, este ano, celebrará o quinto aniversário e, por isso, terá quatro dias.
O Passeio Marítimo de Algés, em Oeiras, vai receber a quinta edição do Alive, de 6 a 9 de Julho, e, à semelhança dos anos anteriores, vai já reunindo um cartaz que o coloca ao nível dos melhores festivais europeus. No primeiro dia as honras de cabeça de cartaz cabem aos britânicos Coldplay.
Para o segundo dia foram já anunciados os portugueses Xutos & Pontapés e os Foo Fighters, enquanto o dia 8 receberá a visita dos Chemical Brothers. Ao contrário dos anos anteriores, o festival vai ter, em 2011, quatro dias, não tendo ainda sido anunciado o nome do cabeça de cartaz para o encerramento.
Os bilhetes para o festival estão já à venda nos locais habituais e custam entre 50 euros (passe de um dia) e 129 euros (para os quatro). O passe de três dias (7, 8 e 9 de Julho, logo sem acesso ao dia em que tocam os Coldplay) custa 99 euros.
Foo Fighters já era muito bom...agora Coldplay?! Não há coração que aguente.
SIM SIM SIM A-DO-RO!!!
A subtil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma.
Depois de algum tempo tu aprendes a diferença,
A subtil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma.
E tu aprendes que amar não significa apoiares-te,
E que companhia nem sempre significa segurança.
E começas a aprender que beijos não são contratos
E presentes não são promessas.
E começas a aceitar as tuas derrotas
Com a cabeça erguida e olhos adiante,
Com a graça de um adulto
E não com a tristeza de uma criança.
E aprendes a construir todas as tuas estradas no hoje,
Porque o terreno do amanhã
É incerto demais para os planos,
E o futuro tem o costume de cair no meio do vão.
Depois de um tempo tu aprendes
Que o sol queima se ficares exposto por muito tempo.
E aprendes que não importa o quanto tu te imortes,
Algumas pessoas simplesmente não se importam...
E aceitas que não importa quão boa seja uma pessoa,
Ela vai ferir-te de vez em quando e tu precisas perdoá-la por isso.
Aprendes que falar pode aliviar dores emocionais.
Descobres que se leva anos para se construir confiança
E apenas segundos para destruí-la,
E que tu podes fazer coisas num instante,
Das quais te arrependerás para o resto da vida.
Aprendes que as verdadeiras amizades
Continuam a crescer mesmo a longas distâncias.
E o que importa não é o que tu tens na vida
Mas quem tu tens na vida.
E que bons amigos são a família
Que nos permitiram escolher.
Aprendes que não temos que mudar de amigos
Se compreendemos que os amigos mudam,
Percebes que o teu melhor amigo e tu
Podem fazer qualquer coisa, ou nada,
E terem bons momentos juntos.
Descobres que as pessoas
Com quem tu mais te importas na vida
São-te tomadas muito depress
Por isso sempre devemos deixar
As pessoas que amamos com palavras amorosas,
Pode ser a última vez que as vemos.
Aprendes que as circunstâncias e os ambientes
Têm influência sobre nós,
Mas nós somos responsáveis por nós mesmos.
Começas a aprender que não te deves comparar com os outros,
Mas com o melhor que podes ser.
Descobres que levas muito tempo
Para te tornares na pessoa que queres ser,
E que o tempo é curto.
Aprendes que não importa aonde já chegaste,
Mas para onde estás a ir.
Mas se tu não sabes para onde estás a ir,
Qualquer lugar serve.
Aprendes que, ou tu controlas as tuas acções
Ou elas te controlarão,
E que ser flexível não significa
Ser fraco ou não ter personalidade,
Pois não importa quão delicada e frágil
Seja um situação,
Existem sempre dois lados.
Aprendes que heróis são pessoas
Que fizeram o que era necessário fazer,
Enfrentando as consequências.
Aprendes que a paciência requer muita prática.
Descobres que algumas vezes
A pessoa que tu esperas que te chute quando tu cais
É uma das poucas que te ajuda a levantar.
Aprendes que maturidade tem mais a ver
Com os tipos de experiência que tiveste
E o que tu aprendeste com elas
Do que com quantos aniversários já celebraste.
Aprendes que há mais dos teus pais em ti
Do que tu supunhas.
Aprendes que nunca se deve dizer a uma criança
Que os sonhos são uma parvoíce,
Poucas coisas são tão humilhantes
E seria uma tragédia se ela acreditasse nisso.
Aprendes que quando estás com raiva
Tens o direito de estar com raiva,
Mas isso não te dá o direito de seres cruel.
Descobres que só porque alguém não te ama
Da forma que tu queres que te ame,
Não significa que esse alguém
Não te ame com tudo o que pode,
Pois existem pessoas que nos amam,
Mas simplesmente não sabem
Como demonstrar ou viver isso.
Aprendes que nem sempre é suficiente
Ser perdoado por alguém,
Algumas vezes tu tens que aprender
A perdoar-te a ti mesmo.
Aprendes que com a mesma severidade com que julgas,
Tu serás em algum momento condenado.
Aprendes que não importa
Em quantos pedaços o teu coração foi partido,
O mundo não pára para que tu o consertes.
Aprendes que o tempo não é algo
Que possa voltar para trás,
Portanto, planta o teu jardim e decora a tua alma,
Ao invés de esperares que alguém te traga... flores.
E tu aprendes que realmente podes suportar...
Que realmente és forte,
E que podes ir muito mais longe
Mesmo depois de pensares que não podes mais.
E que realmente a vida tem valor
E que tu tens valor diante da vida!
As nossas dádivas são traidoras
E fazem-nos perder
O bem que poderíamos conquistar,
Se não fosse o medo de o tentar...
Foi esta, já lá vão uns tempos, a minha primeira pegada neste Piquenique. Lembro-me do que senti na altura que o descobri e vo-lo mostrei, e hoje estremeço de novo - se bem que já não é com a tristeza de criança, mas com a graça de um adulto. Aí está o prazer que advém das rugas: envelhecemos por fora e por dentro.
Não importa em quantos pedaços o teu coração foi partido, o mundo não pára para que tu o consertes.
terça-feira, 11 de janeiro de 2011
Ti-ti, 'tá aí?
Didi: Pois'é, ouvi dizer que tira dias de vida e tudo.
Nada: AI, MEU DEUS, DIDI, POR FAVOR, CALE-SE JÁ!
Didi: Oh, afinal não são dias, são anos, vê aí no Google!
domingo, 9 de janeiro de 2011
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
O mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...
sábado, 8 de janeiro de 2011
domingo, 2 de janeiro de 2011
Grito no confessionário
Sempre me impressionou aquele determinismo, em que as leis de Mendel se assemelhavam a horóscopos: olhos azuis são ciúme, olhos verdes são traição, e “Teus olhos castanhos/De encantos tamanhos/São pecados meus.”. Mais tarde compreendi que nem sempre os castanhos são leais, da mesma forma que a conjunção de Vénus com outro astro mais atrevido não é pronúncio garantido de sorte aos amores.
Ora acontece que as pessoas não falam, ou pouco falam, do que realmente são, ou têm por dentro muito mais do que revelam por palavras. Sobressai-lhes, sobejamente, o produto que fabricam. Ignoram que vestem os olhos, e pelo traje sabemos quem são e para onde vão. Temo até ser extremista no que vou afirmar - a frontalidade, em mim, chega a ser defeito -, mas é certo ficar repugnada com quem só olha para o que a capa, que protege o íntimo, vai deixando passar. Há quem perca mais tempo a adorná-la, de encandeantes ornatos, do que a trabalhar-se por dentro, o que pode querer reflectir tudo ou, ipso facto, nada sobre a pessoa. Mas isto sou eu; ainda bem que não andamos todos à procura do mesmo.
Reparemos à nossa volta. Sim, deixemos o reflexo do espelho. Temos os miúdos que têm um olhar de Primavera, risonho, com brilho e cheiro a carro novo, retrato da infância como ela deve ser vivida: despreocupada, cheirando a sabonete de lavanda, macia como toalha, graça inesperada que provoca cristalina gargalhada. Se a vida assim deixar, recuperamos essa virgindade no olhar quando somos velhinhos. Os olhos dos velhos retomam o aspecto que tinham em crianças, talvez porque já não precisam de fingir, ou porque choraram o que tinham a chorar e acham que já chega. Guardo com adoração o olhar dos meus avós e do meu irmão: são-me uma fonte inesgotável de harmonia. Depois, há os que têm um olhar tão turvo e lânguido que nos fazem tremer a pensar no que vão ser quando se tornarem adultos. Tenho um medo incontrolável de crianças com tal retrato e de nipónicos. Não consigo contemplar o motivo, por mais que o tente. Há fobias ridículas, tenho essa noção.
Nos olhos vê-se também a bondade, que é a mais importante das qualidades humanas. Fique sabendo que há olhos como lâmpadas de voltagem diversa, de luz amarela ou branca, como o calor que transmitem. Há olhares que nos aconchegam, outros causam o desconforto da fome e do frio, ou de um país onde não pertencemos e onde se fala uma língua áspera que nos intimida. Há olhos pelos quais daríamos a alma, com o coração lá acorrentado, só para os voltarmos a ver iluminados por nós. Sentimos que mal nos conseguem olhar, mas de cada vez que o fazem, sabem que iremos conseguir chegar algures, longe daqui. Podem dizer mais do que mil palavras, e beijar como se tivessem boca, mas não conseguem fazer o tempo voltar atrás. E, comandos da emoção à razão, caem as lágrimas, como nascentes de um rio seco que teima em não morrer.