quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Trivialidades

"Finalmente ganhara coragem para ver o verdadeiro significado da palavra ‘confiar’. Ao longo destes anos, apercebeu-se inúmeras vezes que a definição assimilada por si não é mesma dos outros.
Sentiu necessidade de escrever a sua própria definição, antes de iniciar qualquer busca.
Ao escrever o que sente, diminui a febre de sentir. Para ela, confiar é seguir instruções de olhos fechados sem medo de se espetar contra um poste. É sentir as costas protegidas, as mãos quentes, o coração a palpitar no ritmo certo. É como quando um cego acredita no cão que o guia. Neste ponto, um pouco irracionalidade seria muito benéfico.
Deixa-se levar pelo pessimismo antropológico e segue a ideia de que esses "cães" resultam de uma pura construção abstracta da nossa mente.
Depois de tantas subtracções precipitadas, talvez infundamentadas revelando a infantilidade que pauta o fim da adolescência, quis ter vontade de confiar de olhos fechados, de mãos atadas. Errou. A vida é feita de erros. Só assim é que se aprende.
Custa-lhe a acertar. Revolta-se pelo facto de até um relógio avariado conseguir estar certo duas vezes por dia.
Esta desilusão constante e perpétua deixa-a confusa, mas forte; triste, mas atenta; perspicaz, mas desconfiada. Tudo tem o seu lado bom e mau. Depende da perspectiva adoptada.
Escutou a canção vezes sem conta. Continua a não fazer sentido. Nunca conseguiu acreditar no que ela transmitia. Deveria? Inclina-se para a negativa.
Ser uma boa diplomata nunca o conseguiu. A transparência, apesar de indesejada, percorre todo o seu corpo. A verdade é algo que nela impera. Quando a mentira surge, a ruptura é imediata, inevitável. Por mais que a tente contornar, não consegue. A desilusão apodera-se dela. A razão afasta-se. A experiência de vida dissipa-se e toma atitudes de alguém que ainda há pouco saiu do ventre materno.
Após a confiança ser traída, não faz sentido retomar algo que tem o fim a bater à porta. Para quê se dar ao trabalho? Nunca gostou de falar em vão, muito menos insistir em algo que já está concluído.
Depois da sua busca incessante, eis que surge a definição que supostamente deveria ser universal: "ter confiança; acreditar; entregar ou comunicar alguma coisa a alguém sem receio de a perder ou sofrer dano; revelar, transmitir; entregar-se; descansar em alguém".
Perante isto, parece absurdo esta palavra ainda ser usada no nosso quotidiano. Deveria prescrever por falta de se fazer valer.
Todos já quiseram "descansar em alguém" e saíram de lá mais cansados do que quando entraram. Uma noite mal dormida marcada por um pesadelo. O problema é quando essa noite se prolonga para o dia e o pesadelo se torna realidade.
Chegou à conclusão que não quer mais descansar, nem se vai obrigar a fazê-lo. Evita males maiores. Passa a conjugar o verbo "confiar" no Pretérito Imperfeito.
Eu confiava...

Sem mais,
Dra. Cromo Filosófica"

Sem comentários: