quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Distância afegã

Para a Lídia.

Minha querida Lídia, escrevo-te pelas saudades de te ter junto de mim, no meu ombro, entre os dedos. Estou sentado num barril de pólvora à espera que o pavio, cheio de combustível, congele, com este frio que a tua falta me provoca.
Lídia, querida Lídia, sinto-te dentro de mim, mesmo neste submundo distante, cheio de armas e canhões. É uma guerra que me irá matar. Tenho a certeza. Mas, querida Lídia, acalma-te, por favor. Não chores. Este corpo pouco presta quando está longe de ti. Lembras-te das minhas gargalhadas quando andávamos entre a gelataria e o cinema? Já não existem. Se as houvesse não se ouviam, entre o zumbir da bala e o frenesim dos gritos mutilados.
Lídia, querida Lídia, espero poder escrever-te mais uma vez, daqui a um mês. Anseio, mas não sei se lá chego. Tu, que vives na paz, mas na Guerra do quotidiano, sobrevive, mesmo sem mim. Aqui, no sítio da guerra verdadeira, não há alegria nem sorriso, só esperança. É talvez ela que me leva a ti, nestas linhas.
Lídia, querida Lídia, não desesperes nem te esgotes por mim. O teu país, que me trouxe aqui, não o merece. Vive intensamente. Aqui, só existo a meio-gás, porque não sei se tenho vida amanhã, ao acordar. Lídia, querida Lídia, tenho saudades tuas. Do teu corpo, da tua personalidade e de tudo o que personificas, por meio da nossa distância. Diz à minha mãe que a amo. Pede ao meu pai que me perdoe. Solicita à D. Helena um trintário, para quando eu morrer. Informa a Raquel que o António ainda sobrevive, como eu, e que lhe manda um beijo enorme.

Lídia, querida Lídia, és a minha melhor amiga e amante. Quero-te e quero que o saibas, agora, nestas linhas. Não controlo o tempo nem o espaço nem as balas que me podem matar. Ainda te controlo, porque estou consciente e vivo. Amanhã, porém, posso acordar sem o palpite deste meu pobre coração.

Até à próxima,
Luís Gonçalves Ferreira

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