segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Esquissos

Não nasceste para viver mais ou menos, e sabe-lo bem. Erro de cálculo, birra incorrigível, feitio inquinado, sabe-se lá. Como viajante do Além que és, e já que dentro da tua cabeça podes ser o que quiseres, talvez preferisses que fosse uma lei do Destino, uma profecia dos Deuses, uma lenda pessoal; porém, qual grito ecoante no espaço, sem fim e sem razão alguma, és única à tua maneira e aos teus olhos. Até hoje, quem sabe erro crasso e pouco prodigioso de quem nos puxa os cordéis lá de cima.


Sempre te remoeram por demais os dogmas, as modas, os vulgares, as decepções com o que sonhaste puro e cândido. Mesmo assim, por estranha condição natural, foste conseguindo compreender, perdoar e abraçar incansavelmente cada ânsia, cada insónia, cada medo, cada previsibilidade tacanha, cada murro no estômago dos que menos contavas. Tens momentos no teu percurso em que pensas que só nasceste para tal: esperar, ouvir e sorrir. Como que rogado, complicaram-te o que era perfeito, simples, e tu anuíste, triste e conformada, mesmo conhecendo-te inquebrável. A realidade não se alterou nem com milhentos estalares de dedos. Sentes-te vazia por não saberes o que de ti partilhar, então vais-te apagando nos outros. Falas muito e não dizes nada. Que viagem é essa que diriges sem os sentidos?


E é no degelo do abraço hipócrita do Inverno que recuas a ti e emerges da água do rio selvagem, que havias em tempos mergulhado. Agradeces a bolina de quem conduziu por meses o teu leme, comoves-te por te reencontrares, deixas a distância que vincaste e continuas viagem, sem pressa de chegar a lado nenhum. É um poder tremendo, este de saber que sempre chegamos. Deitaste fora todos os moldes, todos os rascunhos que fizeste. Imagina-lo ao contrário: vês-te como a sua luz, e aí saberás o refúgio dos teus silêncios perdidos.

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