terça-feira, 2 de novembro de 2010

Ser avô é ser-se pai duas vezes!

Sempre fui absolutamente tua: o teu pedaçinho de gente, o teu brinquedo, o teu porta-chaves, a tua Tilinha. Em jeito de gesto eterno, o resto dos teus dias mudaram no dia que me conheceste, e isso tornou-te o meu porto seguro, o meu guia e o meu pai mais querido, qual troca de destinos possível entre vivos. Dizias que te ensinei a amar de todas as formas possíveis e eu não entendia muito bem o que isso significava. Conta-se, entre os nossos, que nesse primeiro instante se sentiu uma electricidade no ar que ainda hoje mal a conseguem descrever. Arrepiam-se só de se lembrar, e envaideço-me tontamente cada vez que o fazem. É a melhor história de embalar que, e já com um quarto de século de vida, ainda me podem contar. Tenho saudades até desse ar que se respirava; tenho até medo dessa química, daquele silêncio que bastava para se saber o que entre ambos era o essencial. Conhecer alguém assim seria sôfrego, só pelo receio de te voltar a ver partir.

Preciso dessa energia que criávamos, ao ritmo de um compasso quaternário. Criaste-nos um laço tão seguramente amarrado (como os que, com uma paciência infinita, me ensinaste a fazer com cordel), que não me soube desprender dele, e tornaste-te, sem querer, em tudo o que procuro insaciavelmente ao meu redor. Responsabilizaste-me por ti ainda eu mal contava os meus tenros segundos de vida. É um fardo pesado esse, de cativar sem saber como.
Enquanto caminho, onde quer que vá, sei que te levo pela mão. Quando choro, se o consigo, sei que és tu que me afagas. Sei que me tratas as feridas também. E se chove lá fora a lembrança das tuas rugas traquinas tornam os dias pesados num Verão quente e afável o ano todo. “Ser avô é ser-se pai duas vezes”, e tu representas-te na perfeição – até mesmo à exaustão - esse importante papel.
Foste o melhor companheiro que se pode ter numa vida e quase que me extinguiu o pouco da alma que sobrou com a tua ausência procurar-te até agora sem saber bem onde. Tiveste uma vida tão plena e audaz que me faz ansiar a toda a hora descrever-te a todos os que não tiveram o privilégio de te poder conhecer.


Um dia destes, encontrei magicamente (como era tudo o que fazias) as tuas memórias e cedi em pranto. Ontem, passados mais de dois anos, quando finalmente te consegui ir ver, sentei-me na tua laje como quanto te pedia colo, e decidi que tinha que te deixar ir em paz, ou nenhum dos dois alguma vez a conseguirá alcançar. Sossega os olhos que sem vida haveriam de me estar sempre a ver. Eu já sei tomar conta de mim. Sei que consegues ver que sim.
Obrigada por me deixares viver em ti. Obrigada por abrires esses olhos uma última vez, quando já todos à minha volta me mandavam desistir. Foi uma dádiva tremenda, inigualável. A paciência é amarga, mas os seus frutos são doces. Até na tua partida tiveste o dom de me dar mais um ensinamento. Obrigada, por não me permitires deixar de lutar, por mim e pelos nossos. Por eles, que são teus, nunca vou deixar de o fazer. Obrigada por tornares a minha existência tão especial.


Guardarei para sempre o melhor de ti em mim. É o meu mais sagrado adágio. E agarro-me a tudo o que me legaste, perenamente, na pele, na memória e no coração, com a raça e o amor que me incutiste, e o orgulho do sangue na voz.
Perdoa-me por isto, mas não sei enviar cartas para o Céu.


Até sempre vôvô.

3 comentários:

Luís Gonçalves Ferreira disse...

Ontem senti essa mesma saudade, que qualquer encontro precipita. Agarrei-me às lágrimas como quem fala com e lhe pede que mande uma mensagem a quem sentimos tanta falta. Continuo a dizer que há certas pessoas que não deviam morrer, só por serem tão especiais...

Beijinho

Juca disse...

Tornou-se bastante claro, após uma curta visita a este blogspot, o porquê da expressão desses olhos e dos suspiros dos meus amigos e colegas pela cidade do Porto! :)

Texto fenomenal. Também me dava muito bem com os meus avós.

Tripeirinhaaaaa!

"Add to Favorites"

Beijinho e aparece mais vezes!

Anónimo disse...

Olá Juca!! Não me lembrava de te ter falado deste espaço :s
Há pessoas que são realmente imortais e necessárias de serem transmitidas num desabafo.
Apareço sim. Agora vão começar os meus testes, mas mal tenha oportunidade... :)

Bj

Kary