sábado, 25 de setembro de 2010

Sonhos

Se ela soubesse por que tremo às vezes
Como um junco nas bordas de um regato;
E àquele olhar de uma volúpia ardente
Fecho os meus pobres olhos de insensato.

Se ela soubesse por que a mão convulsa
Sinto ao pousar em um adeus a sua;
E por que um riso de amargura e tédio
Pousa-me no calor da face nua;

Quem sabe se piedosa, no silêncio,
Em oração, à noite, me alembrara;
E por mim em meu êxtase querido
Uma furtiva lágrima soltara!

Quem sabe, se amorosa, pensativa,
Amadornada em lânguidos desejos,
Viria compulsar-me o livro d'alma
E minha fronte batizar de beijos...

E saberia então que de soluços
Os lábios me entreabrem de paixão!
Que de prantos resvalam de meus olhos,
Com o orvalho de minha solidão!

Veria que este fogo de meus versos
É a febre de amor de meus suspiros,
Onde me vai a flor da mocidade
Como flor que enlanguece nos retiros.

Mas... são sonhos, meu Deus! estes tormentos
Irão comigo resvalar na cova;
E serão o crisol de meu espírito
Quando passar a uma existência nova.

Sonhos de insensatez! delírio apenas!
Cresceu em alta rocha a flor querida;
Verme rasteiro tateando os ermos
Não beberei naquele seio — a vida!

Passarei como sombra ante os seus olhos.
Frios, sem eco — soarão meus cantos;
E aqueles olhos que eu amei, calado
Não me hão de as cinzas orvalhar com prantos!

E nos silêncios de uma noite límpida
Sobre a campa que me há de enfim cobrir.
Da flor daqueles lábios — uma reza
Como um perfume não virá cair!

Devanear eterno! o amor de louco
Hei-de fechá-lo na mudez do peito...
Vem tu, apenas, lânguida saudade,
Noiva dos ermos — partilhar meu leito!

Machado de Assis

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